O percurso do “sol” e o circuito do “vento” na simbologia bíblica


“5. E nasce o sol, e põe-se o sol, e volta ao seu lugar donde nasceu.
6. O vento vai para o sul e faz o seu giro para o norte, continuamente vai girando o vento, e volta fazendo os seus circuitos.”   (Eclesiastes 1: 5-6)
 
No último livro do Antigo Testamento, o livro de Malaquias (do hebraico: “mensageiro de Deus”), em seu último capítulo, segundo versículo, deparamo-nos com uma profecia que antecede imediatamente ao Novo Testamento, profecia na qual encontramos uma alegoria interessante: “(…) Mas para vós, que temeis o meu nome nascerá o sol da justiça, e salvação trará debaixo das suas asas; e saireis, e crescereis como os bezerros do cevadouro” (Ml. 4:2).
Decerto, Malaquias, como o último dos doze profetas chamados “menores”, aponta para o nascimento do “Sol da Justiça” e, ao virar a página da Bíblia, “coincidentemente” (coincidência?), inicia o Novo Testamento, abrindo as suas cortinas com o nascimento do Senhor Jesus como Projeto Eterno de Deus para a Salvação. E prossegue o profeta veterotestamentário, numa linha profética, dizendo da morte e da ressurreição de Jesus e o surgimento de Sua Igreja: “e salvação trará debaixo de suas asas” (lembra-nos os braços abertos na cruz do Calvário).
E prossegue a profecia, afirmando: “crescereis como os bezerros do cevadouro” (o cumprimento desse pronunciamento profético vemos em Atos 2:47: “E todos os dias acrescentava o Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar”. O “cevadouro” era o lugar em que as ovelhas (ou outros animais) eram alimentadas, eram nutridas, daí a expressão davídica, no conhecido Salmo 23: “O Senhor é o meu pastor; nada me faltará (…) preparas uma mesa perante mim na presença de meus inimigos (…)”.
Nesse mesmo sentido, observamos, em Apocalipse 12:1, numa visão simbólica, a igreja revestida de Jesus: “E viu-se um grande sinal no céu: uma mulher vestida do sol (…)”. Isso nos remete à recomendação de Salomão, em Provérbios 27:26: “Os cordeiros serão para te vestires (…)”, vale dizer: o Cordeiro Eterno como vestimenta da igreja arregimentada por Ele mesmo. Aqui há um plural de intensidade (“os cordeiros”).
Volvendo, pois, o olhar para o texto em epígrafe temos o trajeto do “Sol” num projeto divino e perfeito, desenhando numa singela trajetória, três etapas, das quais a primeira é o nascente do Sol (“e nasce o sol”). Nessa ordem de idéias, Isaías (cap. 9, v.6) profetiza: “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; e o principado está sobre os seus ombros”, focalizando as duas naturezas amalgamadas do Senhor Jesus: “um menino nos nasceu” (menino, o nascimento como Homem) e “um filho se nos deu” (a oferta do Filho de Deus, Deus-Filho, que não “nasceu”, mas foi “ofertado”, numa figura preexistente).
No evangelho segundo Marcos (17:2), há um retrato mais específico, na ocasião da transfiguração de Jesus: “E transfigurando-se diante deles; e o seu rosto resplandeceu como o sol, e os seus vestidos se tornaram brancos como a luz”. Isso é magnífico porque conforta aqueles que O buscam de todo o seu coração num discipulado agradável; não numa religiosidade opressora. Seguidamente, o texto revela o poente do Sol (“e põe-se o sol”). Davi menciona esse “pôr do sol”, retratando o sofrimento do Messias de Deus e o faz numa antevisão interessante, no Salmo 22: 14-15:
“Como águas me derramei, e todos os meus ossos se desconjuntaram; o meu coração é como cera, derreteu-se no meio das minhas entranhas. A minha força se secou como um caco, e a língua se me pega ao paladar, e me puseste no pó da morte”
Com efeito, aqui o “pôr do sol” reflete a morte do Senhor Jesus: uma Oblação Perfeita e Absoluta suficiente para resgatar o elo perdido no Éden. Que bom que não necessitamos de nos penitenciar, pois o jugo de Jesus é suave e o Seu fardo é leve, de maneira que, se está pesado não é dEle; é apenas religioso. Curioso que, na ocasião da morte de Jesus (“O Sol da Justiça”), imediatamente houve uma reação da natureza: o sol se escureceu, dito de melhor forma: o sol se curvou diante do “Sol” (Lucas 23: 45-46).
Nessa linha progressiva profética o texto conclui com uma esperança da igreja essencial: “e volta ao seu lugar donde nasceu”. Aqui, detectamos o grande momento profético e apoteótico no qual a igreja fiel espera (não se confunde com organização eclesiástica). A propósito, eis o texto de Apocalipse 22; 16-17:
“Eu, Jesus, enviei o meu anjo, para vos testificar estas coisas nas igrejas: eu sou a raiz e a geração de Davi, a resplandecente estrela da manhã. E o Espírito e a esposa dizem: Vem. E quem ouve, diga: vem. E, quem tem sede, venha: e quem quiser tome, de graça da água da vida”.
No momento da ascensão de Jesus, após a Sua ressurreição, a promessa registrada foi a da Sua volta: “e volta ao seu lugar donde nasceu”. O Projeto Eterno de Deus “nasceu” para a igreja. Mas não é só. O circuito do vento, como um segundo momento do Pacto Eterno de Deus, está retratado no segundo versículo transcrito na epígrafe deste singelo rabisco para reflexão. Passemos a analisar, à sombra das Sagradas Escrituras, tal seja: o “circuito do vento”.
Em linguagem simbólica, observaremos que uma das características de um símbolo bíblico é o sinal figurativo, a imagem que representa um conceito, daí o caráter profético do simbolismo bíblico. Jesus utilizou de linguagem metafórica na transmissão de Sua Doutrina por meio de parábola. Evidentemente, não se pode perder em tipologias e simbologias exageradas para não perder a mensagem bíblica e cair num subjetivismo que se vê amiúde.
Necessário se faz encontrar a correspondência simbólica (significante/significado) para o “vento”, tanto mais quando se sabe que há um projeto divino eterno para a salvação e resgate do ser humano, com o intuito de reconciliação. O salmista percebeu esse sincronismo ao escrever o Salmo 104:4: “Faz dos ventos seus mensageiros (…)”. Na mesma esteira, o profeta Jeremias: “(…) e tira o vento dos seus tesouros” e o profeta Zacarias: “E o anjo respondeu, e me disse: Estes são os quatro ventos do céu, saindo donde estavam perante o Senhor de toda a terra”. Será que nesses textos a interpretação é literal? É intuitiva a resposta.
Em o Novo Testamento, encontramos textos que se alinham ao que ora se afirma. Assim é que, nesse maravilhoso mistério, Jesus associa o vento ao Espírito Santo, donde se vê, de maneira clara, o simbolismo do vento em conexão com a figura do Espírito Santo. No evangelho segundo João (Jo. 3:8), confirmamos essa tese: “O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito”.
Quando Lucas escreve o livro de Atos dos Apóstolos, ele segue a mesma linha ditada pelo Senhor, ao descrever a descida do Espírito Santo, no dia conhecido como o “Pentecostes”. Veja aqui: “E de repente veio do céu um som, como de um vento veemente e impetuoso, e encheu toda a casa em que estavam assentados”. Compare o efeito do “Vento” que trouxe o alimento vivo (codornizes) para o povo de Israel quando caminhava no deserto, na ocasião do Êxodo (Números 11:31).
Na sequência temática, observar-se-á que a expressão sob comento, “o vento vai para o sul e faz o seu giro para o norte (…)”, nos conduz à busca de um entendimento cristológico, no qual se vê e percebe a abrangência do teor missionário/evangelístico que o Espírito Santo, O Consolador, convoca os Seus discípulos como a anunciação das Boas Novas de Salvação para um fim escatológico. Diz o texto sagrado: “continuamente vai girando o vento”. Enquanto a Graça se fizer presente, antes do “retorno do Sol”, antes da segunda vinda de Jesus, continuamente “vai girando o vento”, porque o chamado é persistente, embora dependa da escolha do ser humano.
Interessante que os dois versículos sob nossa mirada investigativa, terminam com a “volta”: a “volta do sol”, em sua trajetória e a “volta do vento”, em seus circuitos. Isso nos leva a refletir sobre o momento histórico e profético que a igreja vive. E quão agradável é estar nesse contexto inspiracional, consoante o texto em Eclesiastes: “verdadeiramente suave é a luz, e agradável é aos olhos ver o sol” (Ec. 11:7). Deveras, o “circuito do vento”, do sul para o norte, traz um maravilhoso refrigério e, com ele, o bom perfume de Cristo a suavizar as feridas do dorido coração humano. Esse cenário está bem definido no livro de Cantares, o Cântico dos Cânticos, numa leitura cristológica/eclesiológica, refletindo o encontro do Senhor Jesus com a Sua Igreja, Seu belo jardim. Senão vejamos.
“Levanta-se, vento norte, e vem tu, vento sul; assopra no meu jardim, para que se derramem os seus aromas. Ah! Se viesse o meu amado para o seu jardim, e comesse os seus frutos excelentes”. (Ct. 4:16).
Obs. Esse texto foi extraído de uma de minhas obras literárias publicadas (“Eclesiastes: além da letra”), com algumas alterações.
ÉZIO LUIZ PEREIRA
http://www.ezioluiz.com.br

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