Cajadada
Felipe
Costa, no Mero Cristianismo
Desde
que comecei a frequentar uma igreja evangélica ouço o termo cajadada incluso na seguinte
expressão:O pastor deu uma cajadada em fulano.
Sempre
entendi que essa frase queria dizer que o pastor havia repreendido alguém por
ter cometido algum erro. Mas com o tempo percebi que muitos dos que levavam
uma cajadada se
distanciavam dos outros irmãos, por vergonha ou porque os irmãos passavam a
evitar alguém que tomasse a tal cajadada. Não
era incomum que com o tempo estes saiam da igreja. Ouvi histórias de pessoas
que saíram de gabinetes pastorais aos prantos após uma conversa com algum
pastor. O cajado tomou
forma de porrete.
Muitas
vezes a cajadada era
coletiva. Todo mundo dividia o coro que o pastor aplicava do alto do púlpito.
Isso muito me lembrava de quando era pequeno e um dos irmãos aprontava, os três
apanhavam. Com o microfone numa mão e a Bíblia na outra, alguns pastores
costumam descascar fiéis por motivos sérios ou banais, em muitos casos. Já ouvi
um pastor cobrar os irmãos de que na reunião anterior havia recolhido pouca
oferta e, assim, distribuiu meia hora de cajadada. Nesta ocasião uma pessoa que estava sentada ao
meu lado disse, “olha a cajadada!”.
E sorriu como que concordando com a repreensão. Afinal de contas, o homem que
estava com o microfone nas mãos era “o pastor” e, por conseguinte, o portador
do cajado.
No
entanto, o Salmo 23 nos diz que o cajado do
pastor não é usado para machucar as ovelhas que cometem “delitos”.
Este salmo é uma poesia construída em duas experiências diferentes, a do
“Pastor e Ovelha” e, a do “Fugitivo e o Anfitrião”. A história do Anfitrião e o
Fugitivo (v. 5 e 6) fundamenta-se na experiência de um homem que provavelmente
seria condenado pela sua comunidade, por ter violado algum tipo de conduta em
seu clã (ver Dt 19:1-7). Ás vezes tal individuo fugia errante pelo deserto
enquanto a comunidade ainda dormia. Logo pela manhã ao sentirem sua ausência, o
clã enviava alguns homens a sua captura, caso ele sobrevivesse a fuga do
deserto – como nas histórias de Moisés e Jacó, que fugiram.
O
fugitivo chegava quase morto em uma estrutura que havia sacerdotes. Ali era
recebido pelo Anfitrião que proporcionava acolhimento integral, no qual depois
de um banho, uma taça de vinho transbordava sobre a mesa. Neste lugar tal
Fugitivo era honrado com perfume sobre a cabeça. O sacerdote que o recebia em
sua casa nada lhe perguntava, simplesmente o recebia, mesmo sabendo que ele
estava ali por ter cometido algum delito grave. Quando seus perseguidores
se aproximavam e percebiam onde estava, nada poderiam fazer, pois a
hospitalidade era sagrada no Oriente e por isto inviolável. Então, o salmista
brinca com seus inimigos diante da hospitalidade proporcionada
pelo Anfitrião – “prepare-me uma mesa diante dos
meus inimigos“.
Depois
de alguns dias quando seus perseguidores percebiam que não poderiam captura-lo,
iam embora. O sacerdote colocava duas escoltas (homens) para acompanhá-lo a uma
nova tribo para que o então Fugitivo iniciasse nova vida. O salmista novamente
faz desta escolta a Misericórdia e Bondade do Senhor-Anfitrião que
o acompanharão todos os dias de sua vida. E ainda deixa em aberto a
possibilidade de ter que desfrutar deste acolhimento em dias futuros. Ou seja,
o perdão é renovável.
O cajado do pastor de verdade não
machuca. Ele tem duas extremidades: com a circunflexa, resgata a ovelha caída;
com a pontiaguda, dá toques leves em suas patas frágeis para que as
ovelhas tomem seu caminho e na eventualidade de lobos atacarem, defende as
ovelhas. Como disse o salmista “o teu cajado me consola“. Consolo este que vem
acompanhado da Misericórdia e Bondade, sem jamais machucar as
ovelhas com autoritarismo. Sem as duas escoltas dadas pelo nosso
Senhor-Anfitrião, não existe cajado que
consola. Apenas cajadadas.
Comentários
Postar um comentário
Queridos amigos figuem a vontade para comentar sobre os textos, na medida do possível irei ler todos. e SE NÃO OFENDER A NENHUMA INSTITUIÇÃO RELIGIOSA E NÃO CAUSAR POLEMICA IREI PUBLICAR.